Esse hífen ligando trabalho e educação forma uma terceira palavra, composta e caracterizada por unidade semântica e indivisibilidade. Significa que trabalho contém educação / trabalho como princípio educativo, assim como a educação é um trabalho / o trabalho da/na/pela educação. Observa-se ainda, nessa locução, a categoria trabalho vindo primeiro. Isso não é sem motivo. Em relação à categoria educação, guarda precedência ontológica, epistemológica, ética e política. Decidiu-se por essa inversão na década de 1980 em meio a questionamentos ao conceito de capital humano, às reformas educacionais nele inspiradas, ao pressuposto equivocado de que o trabalhador possui um capital, sua força de trabalho. Essa, de fato, é um bem que o possibilita, mediante sua venda, adquirir meios de sobreviver. Força de trabalho, na verdade, é, simplesmente, mercadoria negociada no mercado de trabalho. O conceito de capital humano pressupõe, ainda, correlação entre aumento de mobilidade social e escolaridade. Entretanto, diante do crescimento do desemprego estrutural e da precarização das relações de trabalho de jovens com altos níveis de escolarização, tal afirmação soa como falácia. Contrapondo-se à concepção liberal de educação como capital humano, os debates éticos e político-pedagógicos do início dos anos 1980 aprofundaram a compreensão do caráter ontológico do trabalho e sua primazia na constituição do ser social. Trabalho não no sentido de emprego, mas como atividade humana criadora de valores de uso em atendimento às necessidades sociais e como produção das condições de liberdade. Com isso, na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – Anped, o Grupo de Trabalho, GT-9, criado em 1981 com a denominação Educação e Trabalho adotou o nome Trabalho e Educação. Em 1986, os pesquisadores da área solidificaram os argumentos em favor dessa inversão em reunião no Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica – CNPq. Desde então, ao se dizer trabalho e educação ou, melhor, trabalho-educação, busca-se situar e compreender as intervenções em formação humana nas suas relações com as práticas sociais estruturantes da sociedade. Esse entendimento é fundamental para os propósitos das instituições de educação profissional e tecnológica, dentre elas, os Institutos Federais, as escolas em geral, sindicatos, movimentos sociais, empresas públicas e privadas e demais espaços onde transcorrem intervenções educativas. As temáticas tratadas por esse campo de estudo têm mobilizado diversos interessados, individual e coletivamente, reunidos em grupos e núcleos de pesquisa, articulados por linhas de pesquisa de programas de pós-graduação, envolvidos em programas nacionais e internacionais de intercâmbio. Um espaço importante para a discussão delas é o representado por esse GT-9 da Anped. Vinculados a ele, surgiu o Intercrítica - Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação, uma articulação destinada a discutir e trocar experiências. Cinco edições do Intercrítica já ocorreram desde 2002. Em 2020, o Instituto Federal de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo foi sede do quinto encontro. As temáticas sobre Trabalho-Educação têm também conquistado espaços não acadêmicos. Referem-se a questões e níveis de abordagem variados. Algumas focalizam aspectos e fenômenos gerais e transversais à estrutura da sociedade, outras incidem sobre questões mais específicas. Envolvem, por exemplo, o mundo do trabalho, a centralidade do trabalho, o trabalho como princípio educativo, trabalho e subjetividade, trabalho e tecnologia, a crise do capital, a crise do trabalho, a crise da educação e a crise social, formação de trabalhadores, formação profissional, certificação profissional, sujeitos trabalhadores, gestão da força de trabalho, gestão da educação, da escola e do currículo, conhecimento, saberes do trabalho, práticas pedagógicas, cotidianos do trabalho, culturas de trabalho, construção de identidades, consciência de classe, mercantilização da educação, democratização do conhecimento e da sociedade, políticas e práticas educacionais, direitos sociais, inserção produtiva, desemprego estrutural, trajetórias profissionais, qualificação do trabalhador, noção de competência e suas ambiguidades, reformas educacionais, estratégias capitalistas de acumulação, mudanças tecnológicas, globalização dos mercados e do capital, organização da produção e do trabalho, reestruturação da produção capitalista, flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho, precariedade das condições de trabalho, racionalidade capitalista, sociabilidade fundada nas relações capitalistas, organização e educação dos trabalhadores, movimento social e sindical, pedagogia e sindicalismo, trabalhadores da educação, formas de organização da vida, práticas econômicas e culturais diversas de sobrevivência, produção associada, processos de trabalho, processos educativos, processos históricos, processos de emancipação, relações entre capital e trabalho, relações de trabalho, relações sociais de sexo e de gênero, valores culturais, transformações sociais, reprodução do capital e respostas dos trabalhadores.
Lucília Regina de Souza Machado