O autor tem presença assídua e obrigatória em textos sobre educação, sobretudo quando se trata de educação profissional e tecnológica. A concepção pedagógica originária dos Institutos Federais forjou-se apoiada em seu fecundo pensamento pedagógico, cujo eixo passa pela vinculação entre escola, pedagogia e política e a reflexão sobre como a educação pode ensejar a emancipação humana. Nascido na Sardenha, ilha do Mediterrâneo, em 1891, de origem modesta, Gramsci se fez como educador social, filósofo, jornalista, crítico literário e político. Nessa última condição, foi deputado comunista pelo distrito do Vêneto, região do nordeste da Itália, mandato interrompido ao ser condenado à prisão, em 1926, pelo ditador fascista Benito Mussolini. Gramsci, de saúde frágil, teve vida abreviada pelas condições carcerárias inumanas lhe impostas. Uma campanha internacional conseguiu sua soltura em 1937, mas em condições físicas tão frágeis que veio a falecer, aos 46 anos, dias após ser libertado. Extensa e respeitada obra política e pedagógica faz parte do seu legado à humanidade: os inúmeros artigos jornalísticos anteriores à prisão, as Cartas do Cárcere e os 29 cadernos sobre temas diversos, posteriormente publicados em seis volumes. Compreendia que a marca social de uma escola não se define pelo modo de ensinar, mas pelo estrato social ao qual se destina e se prepara os estudantes para o exercício de função de direção ou instrumental. Suas propostas para a organização da cultura e da escola ganham significado se compreendidas como estratégias para liberar as camadas populares das condições estruturais de subalternidade. É nesse sentido que a escola é vista por ele como instrumento fundamental de cultura, essencial à construção de valores e novas relações de consenso, tendo em vista um novo sistema econômico e social. Suas referências vinham, de um lado, do materialismo histórico e das concepções e experiências desenvolvidas na educação socialista soviética e, de outro, da estrutura escolar italiana de natureza classista, discriminatória e reprodutora das desigualdades sociais. Essa, a escola italiana, fundada sobre uma estrutura dual: para o povo, escola de instrumentalização para o trabalho, para a submissão e resignação, carente de ciência e cultura geral; para a elite, escola de conteúdos clássicos e preparatórios para o ensino superior. Em ambas, conteúdos antiquados, métodos paternalistas e mnemônicos. Gramsci via no projeto educacional fascista, representado pela chamada Reforma Gentile (1922-1023), a instrumentalização da escola para a consolidação do fascismo por meio da imposição da ordem, disciplina e obediência ao Estado. Na sua leitura, essa reforma educacional não seria capaz de solucionar a crise da escola, já que essa era parte da crise social mais ampla e profunda de desintegração nacional vivida pelo país, dadas as contradições sociais e regionais. A escola estava em crise, além disso, por se mostrar incompetente para atender as novas demandas educacionais e culturais do mundo moderno. Isso porque não percebia o fosso que se abrira entre a escola e a vida e o anacronismo do princípio educativo que até, então, dava prestígio social, o de orientação humanista de cultura geral fundada na tradição greco-romana. Mudanças sociais, econômicas, na moralidade e no clima cultural em vigor requeriam outro princípio educativo. Para completar, a reforma de Gentile deu continuidade à ruptura entre a escola elementar e a média e entre essa e a superior e nada fez para responder à exclusão educacional e cultural. Para Gramsci, a solução da crise da escola requeria a mudança do projeto pedagógico no sentido de formar o homem à altura de sua época, não isolar a escola do mundo real, da vida concreta, acolher os avanços da ciência e da técnica. Para tanto, seria necessário criar instituições escolares e organismos de cultura especializados e diferenciados, entendendo o papel importante das humanidades na formação humana. A educação técnica, segundo Gramsci, também inclui os instrumentos intelectuais e o conhecimento filosófico na mediação entre ciência e trabalho. Ou seja, a unidade entre as ciências humanas e as da natureza na perspectiva da educação integral. É nesse sentido que ele decifrou o novo princípio educativo: a introdução do trabalho na escola e das questões éticas, políticas, culturais e técnicas daí derivadas como forma de dar densidade cultural e científica às atividades práticas, contribuir para a superação da cisão entre educação e vida concreta. Refere-se, assim, ao princípio unitário do trabalho, ao entendimento teórico-prático de como os homens participam da vida da natureza e a transformam se transformando, dialeticamente, nesse processo metabólico. Gramsci qualifica essa proposta como novo humanismo, aquele que se assenta no domínio pelo homem da técnica com base na cultura científica e no discernimento político, necessário ao desenvolvimento da capacidade de organização e de construção de uma nova sociedade e de um novo homem. O conceito gramsciano de escola unitária advém desse diagnóstico. Voltada ao fortalecimento da unidade entre trabalho manual e intelectual, extensiva a todos, a escola unitária se define como de cultura geral e formativa, aberta a todos os campos necessários ao desenvolvimento integral do estudante e de preparação para o momento da sua escolha profissional. Essa se daria depois do alcance pelo estudante de certo grau de maturidade, capacidade, criação intelectual e prática, autonomia na orientação e na iniciativa. A finalidade da escola unitária seria de formá-lo como uma pessoa capaz de, autonomamente, pensar e estudar, mas também de dirigir ou de controlar quem dirige. Na sua visão, a formação de um novo tipo de intelectual, com concepção de vida superior e espírito de construtor. Gramsci tem em vista a educação das classes populares para o papel de direção na sociedade. Não se trata, portanto, de um projeto educativo para indivíduos singulares, mas para o homem-coletivo, a classe. Assim, a conquista individual desse tipo de personalidade demandaria adquirir consciência dessas relações sociais e de que a mudança da própria personalidade passaria pela modificação dessas mesmas relações. Sobre a escola profissional, essa também precisaria fazer com que a cultura por ela desenvolvida fosse também educativa, fundada em ideias gerais, não ser só prática e manual. Gramsci entende tanto a escola unitária quanto a profissional como instrumentos fundamentais para a reforma cultural e moral da sociedade e a construção da hegemonia da classe trabalhadora, a direção ancorada no consenso. Para isso não cabe à direção pedagógica provocar facilidades, mas levar o estudante à compreensão do meio, de seu próprio esforço, de sua participação e da disciplina necessária ao desenvolvimento de sua autonomia e capacidade de transformar a sociedade.
Lucília Regina de Souza Machado