Mostrando postagens com marcador EXTENSÃO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador EXTENSÃO. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

EXTENSÃO

O termo extensão se encontra difundido entre as instituições de ensino e pesquisa brasileiras, ocupando um lugar de destaque na atuação dos Institutos Federais. Contudo, o conceito de extensão é controverso, sobretudo nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, cujas disputas políticas acerca de suas prioridades e finalidades são permanentes. As primeiras experiências definidas como extensão surgiram na Inglaterra, em meados do século XIX, vinculadas à ideia de educação continuada. Nos Estados Unidos da América elas surgiram caracterizadas pela prestação de serviços. No Brasil, a extensão começou a aparecer nos estatutos das universidades a partir dos anos 1930. Entretanto, foi apenas entre 1960 e 1964, inspirados pelo Manifesto de Córdoba de 1918 e pelas reformas universitárias latino-americanas, que movimentos sociais, em especial jovens da União Nacional dos Estudantes (UNE), passaram a propagar a concepção de que as IES deveriam estar atentas aos problemas comunitários, engajando-se na solução de mazelas sociais. Nesse momento, os estudantes tomaram a frente e desenvolveram inúmeros projetos com caráter cultural, socializador e político. A ditadura civil-militar instituiu em 1968 uma reforma universitária, através da Lei nº 5540, tornando a extensão obrigatória em todos os estabelecimentos de ensino superior, por meio de cursos e serviços especiais à comunidade, inaugurando um período de práticas assistencialistas organizadas pelo governo autoritário. A partir do final da década de 1970, a ascensão de movimentos sociais, movimentos comunitários e religiosos, sindicais, movimento estudantil, entre tantos outros, criou as condições para a retomada da construção da democracia brasileira. Assim, o debate acadêmico sobre extensão, bastante prejudicado pela ditadura, foi retomado a partir da década de 1980. As discussões e articulações sobre extensão ganharam força com a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, implantado em novembro de 1987, que definiu extensão como processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. Além de propor uma nova práxis educativa: a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão. Um dos principais marcos desse momento foi a Constituição de 1988 que, em seu artigo 207, institucionalizou a extensão, quando dispôs que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". Com isso, definiu-se que esses três pilares – ensino, pesquisa e extensão – constituem as funções bases que sustentam o saber universitário. Este princípio também adentrou os Institutos Federais, estando presente na sua Lei de criação e orientando suas práticas. Em meados da década de 1990, no auge das políticas neoliberais no Brasil, professores, estudantes, técnicos administrativos e movimentos sociais, envolvidos em projetos de extensão, se organizaram no movimento extensionista, inserindo definitivamente o tema na agenda política. Em grande parte das IES públicas brasileiras surgiram projetos e laboratórios de extensão, uns com mais e outros com menos institucionalidade, mas todos comprometidos com o debate acerca da qualificação, de seu reconhecimento acadêmico e, sobretudo, do perfil dos saberes produzido por estas IES. Eram projetos sobre reforma agrária e urbana, saúde pública, educação popular, cultura, lazer e outros temas, a partir da relação com setores da sociedade civil. Esse movimento criou, ainda que de maneira periférica, canais de diálogo entre os movimentos sociais e as IES. Movimentos como os dos trabalhadores rurais sem-terra, os por moradia, os culturais, os ambientalistas e os da saúde, compartilham seus conhecimentos com o mundo acadêmico, absorvem novos saberes e, o mais importante, produzem novos conhecimentos a partir da relação dialética estabelecida. Com isso, os movimentos sociais inseriram suas demandas na pauta das IES, influenciando o ensino e a pesquisa. Da mesma forma, também inseriram as IES em suas pautas, destacando-se a reivindicação pela democratização do acesso e a necessidade de soluções para suas demandas objetivas. A entrada da extensão na agenda política dos dirigentes das IES explicitou uma série de contradições, destacando o caráter elitista. A principal disputa colocada na arena política encontra-se em qual o público deve ser prioritariamente “atendido”, expondo o conflito em torno da concepção de extensão e, principalmente, sobre a visão do papel que as IES públicas devem cumprir na sociedade brasileira. Esta disputa também está presente no cotidiano dos Institutos Federais, que estão forjando suas identidades. Há uma vertente hegemônica dentro das burocracias acadêmicas, que compreende a educação continuada, através dos cursos de difusão, como o principal modelo de extensão a ser perseguido, destacando seu potencial em auxiliar na solução de crises orçamentárias que as IES estejam inseridas. Esse modelo encontra nas fundações de apoio sua grande base política, técnica e administrativa. Nesse modelo, as IES estariam se abrindo para as demandas externas a ela, difundindo seus conhecimentos e ao mesmo tempo se “atualizando” com o conhecimento advindo do “mercado”, formando profissionais mais competitivos para o mundo do trabalho e pesquisas aplicadas que, se patenteadas, também se tornam fontes de recursos para estas instituições, assim como para as empresas patrocinadoras. No entanto, há outra vertente, mais alinhada aos processos que deram origem aos Institutos Federais e, em alguma medida, representada na sua Lei de criação. Ela é fruto do movimento extensionista e encontra-se respaldada por correntes políticas e acadêmicas progressistas, que, no entanto, são minoritárias nas burocracias das IES. Ela defende o cumprimento do papel social das IES públicas, atendendo aos interesses públicos, aberta aos interesses de todos os setores da sociedade e não somente do capital. Nesta perspectiva, a extensão desponta como um dos principais mecanismos de democratização, não apenas do acesso ao conhecimento, mas também da produção do conhecimento, por meio de projetos e programas, prioritariamente interdisciplinares. Desse modo, demandas que não interessam ao capital devem ser alvo de maior ou igual atenção por parte das IES. Embora as duas concepções não sejam antagônicas e ambos os modelos apresentem respostas às demandas sociais, os interesses do capital tendem a se impor. Dessa maneira, pode-se verificar que as práticas de extensão realizadas nas IES, em geral, são hegemonizadas pelo interesse do capital, tornando o segundo modelo marginal, sobretudo nas IES mais antigas e mais prestigiadas. Entretanto, a crescente cobrança pelo cumprimento do papel social das IES e a importante expansão do ensino público entre 2003 e 2015 atribuíram nova fisionomia à extensão. Neste processo, as novas universidades e, principalmente, os novos Institutos Federais deram maior centralidade à extensão e priorizaram, ao menos em um primeiro momento, o estreitamento das relações entre os conhecimentos acadêmicos e comunitários, contemplando os interesses de setores, historicamente, alijados destes processos formais. 

Márcio Rogério Olivato Pozzer