terça-feira, 19 de janeiro de 2021

INTERNACIONALIZAÇÃO

A internacionalização é considerada uma estratégia fundamental para a inserção dos países em um mundo globalizado, favorecendo, além do compartilhamento de experiências e práticas, um grande mercado de vendas de serviços, políticas educacionais e soluções para os problemas da ‘qualidade educacional’. Contudo, temos uma pesquisa incipiente no que diz respeito às influências internacionais sofridas por países periféricos como o nosso. A história da educação profissional no Brasil está vinculada ao desenvolvimento econômico e industrial do país, desde sua origem colonial, passando pelo Império e seguindo pela República. Ainda antes de 1909, momento da criação oficial das Escolas de Aprendizes e Artífices por Nilo Peçanha, já existiam pelo Brasil alguns poucos Liceus de Artes e Ofícios. Essa trajetória, embora muito bem descrita por autores como Celso Suckow da Fonseca, não reporta, de forma explícita e consistente, a influência internacional na gênese da educação profissional e tecnológica brasileira. Todavia, ao observarmos os modelos historicamente desenvolvidos na sua trajetória, encontramos pelo menos três grandes vertentes e inspirações: a França (school-based), a Alemanha e a Suíça (sistema dual) e os Estados Unidos (community colleges). O modelo estrutural de educação profissional brasileiro, mais centrado na escola e regulamentado e controlado pelo Estado, é basicamente de origem francesa. A partir da década de 1940, os setores produtivos começaram a criar suas escolas de educação profissional. O primeiro estabelecido no Brasil foi o Serviço Nacional  de Aprendizagem Industrial (SENAI), que foi altamente influenciado pelo sistema dual alemão e suíço, cuja estrutura prevê vínculos específicos entre as indústrias e suas escolas de aprendizagem. Posteriormente, com a reforma educacional de 1971, e a partir da subordinação do Brasil aos interesses estadunidenses, o país passa a sofrer influência do modelo dos community colleges, onde a educação geral e a formação profissional ocorrem durante o ensino médio. Também a instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e a criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFs), no governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, pela Lei nº 11.891, de 2008, não pode ser isolada da tendência internacional relacionada à massificação da educação superior e profissional. A alteração no panorama mundial da educação pós-secundária ocorre como consequência do que se denomina de dinâmica da massificação do ensino superior e encontra sustentação no conceito de Sistemas de Elevada Participação (High Participation Systems), onde a alta incidência de procura e matrículas brutas no ensino superior dos países tem sido determinante para o surgimento de um novo setor educacional não universitário, muiltidisciplinar, multicurricular, com envolvimento em pesquisa, que tende a integrar instituições de educação profissional na criação de novas instituições e que vem se expandindo no mundo a uma taxa de aproximadamente um por cento ao ano. Apenas três anos depois da criação dos IFs, em 2011, a Presidente Dilma Roussef lançou o Programa Ciências sem Fronteiras (CsF), que além do desafio de disponibilizar bolsas de estudo no exterior, acelerou a discussão sobre o tema da internacionalização que perpassava os antigos Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (CEFETs), embora com iniciativas pontuais e pouco sistematizadas. Destacamos algumas iniciativas essenciais para se entender historicamente como esse processo tem se desenvolvido: a criação do Fórum de Relações Internacionais (FORINTER) do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) em 2009, a realização do I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, também em 2009, em Brasília, e a parceria estabelecida com a Association of Canadian Community Colleges (ACCC), atualmente Colleges and Institutes Canada (CiCan), a partir de 2004, para constituição do Programa Mulheres Mil. Outra experiência relevante para a internacionalização da Rede são os campi em regiões fronteiriças, conhecidos como Institutos Federais na Fronteira. Essas unidades ofertam cursos cujos certificados têm validade nos países limítrofes e contribuem para diversidade e multiculturalidade das instituições. O Programa E-Tec Idiomas, desenvolvido por meio de parceria do IFSul, do IFCE e do IFRN, também foi uma ação de internacionalização que possibilitou à Rede Federal desenvolver o ensino de línguas estrangeiras nas instituições, bem como o ensino de língua portuguesa para estrangeiros, utilizando a modalidade de educação a distância (EaD). É importante destacar ainda que qualquer discussão ou projeto sobre a internacionalização da Rede Federal deve levar em conta o conceito de ‘educação profissional’. A distinção entre educação profissional, conhecida internacionalmente como vocacional (Vocational Education and Training – VET), e educação acadêmica não é exclusiva do Brasil. Mantidas as características específicas de cada país, o dualismo estrutural é um dos traços em comum no desenvolvimento dessa modalidade educacional, que, quase sempre, é vista como de segunda categoria e vinculada aos indivíduos que não tiveram capacidade de chegar às universidades. As explicações para o posicionamento estratégico da educação profissional em diferentes países encontram seus preceitos na estruturação econômica e social destes e na forma como ocorre a transição dos estudantes para o mercado de trabalho. Pode-se dizer que, no Brasil, o conceito de educação profissional adotado na Rede Federal é muito mais abrangente do que o é no mundo. Ele engloba a ideia de uma formação cidadã, ampla, que permite ao egresso uma visão crítica do mundo que o cerca. Talvez por isso se configure em fator de diferenciação e interesse por parte de seus pares internacionais. Quando olhamos comparativamente a educação profissional no mundo, percebemos que a proposta hegemônica está mais próxima da formação oferecida pelas entidades dos serviços nacionais de aprendizagem (Sistema S), na qual se supõe mais treinamento e menos formação geral e são mantidas as características do dualismo que separa a educação superior acadêmica e a educação profissional, destinando a última àqueles que supostamente não possuem condições para enfrentar o ensino superior.  Internacionalizar instituições que possuem uma institucionalidade única no mundo, com diferentes modalidades de ensino, exige sensibilizar comunidades escolares e gestores, planejar ações e estratégias, perceber potencialidades em outros países e compreender a dinâmica internacional, evitando que as cooperações interinstitucionais sejam mecanismos de transferência ou mimetizações de modelos estrangeiros.

Claudia Schiedeck Soares de Souza